quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Intensidade! Um Conceito Abstrato?


Intensidade de jogo, um conceito que pode ter vários significados, dependendo da metodologia empregada pela comissão técnica. Podemos ter a intensidade medida, mensurada pelo lactato, pela Creatina-Kinase durante e após treinos e jogos. Mas temos outras intensidades, como a intensidade psicológica sofrida  pelos atletas. A intensidade quando relacionado ao aspecto físico dos atletas já está muito bem esclarecida. Temos hoje em dia vários métodos para saber se um treino, ou um jogo foi intenso para cada um de nossos jogadores.

Essa medida pode ser subjetiva, como o questionário de BOMPA, que avalia o estado de recuperação dos atletas em, 12, 24, 36 ou 48hs após o jogo, ou ainda um controle diário através da Escala Subjetiva de BORG. 
Para times com maior estrutura, a medida pode ser direta, dai podemos ter o Lactato como controle de treino, assim como a própria glicemia. Outras técnicas mais avançadas e que aparecem com frequência nos grande clubes é o controle de CK (Creatina-Kinase) um marcador de estresse muscular. A CK é exclusivo do meio intramuscular, e quando encontrado em grande quantidade na corrente sanguínea nos mostra que tivemos  um grande número de micro-lesões musculares, e que se não for observada com atenção pela comissão pode vir a se tornar um grave lesão muscular. Temos também o exame de urina, que nos mostra uma resposta rápida sobre processo catabólico, níveis de sódio e potássio e também a nível de hidratação em que o atleta está no tempo da coleta, que pode ser realizada 12, 24 ou 48 horas após o jogo.
Bom, mas uma vez, esses dados me levam a crer que a evolução sofrida pela parte física no futebol, é sem dúvida maior que na parte técnica e tática, uma vez que quando não se tem métodos de treino, não se tem objetivos para treinas. Por isso achei muito pertinente o artigo do professor Carlos Carvalhal, que mostra uma ideia de intensidade, relacionado a complexidade do jogo, que também refletirá em respostas metabólicas, pois acontecem dentro de um indivíduo que identifica, analisa e executa tarefas, tudo isso gerenciado por um fator psicológico.
Uma boa leitura a todos. 

É comum ouvirmos a palavra Intensidade. São várias as expressões que fazem parte da linguagem do futebol em que a palavra Intensidade está presente: “O jogo foi muito intenso”, “a minha equipa não teve intensidade”, “aquele jogador é muito intenso”, ou ainda “aquele não tem intensidade para jogar a este nível”. Mas então o que será isto de “Intensidade”?
Ao analisarmos o significado da palavra “Intensidade” no dicionário de língua Portuguesa podemos verificar que a noção de intensidade física é aquela que melhor esclarece o que habitualmente se diz sobre este tema, “Em física, a intensidade de uma fonte ou onda mede a variação do fluxo de energia no tempo…”. Ao analisarmos o significado da palavra “intenso” podemos ler: “que tem muita força… veemente, forte”.
Então o que é Intensidade no jogo de futebol? A variação de fluxo de energia no tempo como nos diz a noção da Física?! E um jogador ou jogo intenso? É aquele que tem muita força ou que é muito rápido?
É comum vermos uma equipa entrar a pressionar muito o adversário nos primeiros minutos e ouvirmos dizer que esta está a jogar com elevada intensidade! Será assim? Muitas vezes o que eu vejo é uma pressão “cega”, puramente emocional e desprovida de organização com muitas corridas sem sentido. Não raras as vezes ouvimos posteriormente o comentário, “a equipa entrou muito intensa e depois quebrou na segunda parte”. Será isto intensidade?
Estou em crer que esta noção aparece num sentido abstracto! Diz-se que é intenso quando se corre muito, quando se luta muito, quando se é agressivo! No fundo, utiliza-se esta palavra com uma conotação meramente “física”, associada principalmente à força e velocidade!
Levantemos as seguintes questões: O Barcelona possui em cada jogo uma elevada posse da bola, não será então uma equipa intensa? Uma equipa em posse da bola não poderá e deverá ser intensa? E para circular a bola com eficácia será preciso ser muito rápido de pernas e ter imensa força?
Lembro-me de quando fiz o meu estudo monográfico ter levantado a seguinte questão: é mais intensa uma corrida de 50 m em corrida livre à máxima velocidade ou uma corrida na mesma distância com uma bandeja com dois copos de água em que para venceres não podes deixar cair a água do copo? Para alguns consideram a primeira, porque se reportam meramente ao “físico”, para mim claramente que é a segunda, porquê? Porque tens que dar o teu máximo com uma dificuldade adicional que te vai exigir muito a nível da concentração. No fundo essa dificuldade vem pelo aumento da complexidade da tarefa. Mudou-se o critério de desempenho, aumentou-se a complexidade logo aumentou-se a intensidade.
Chegamos a um ponto importante da nossa reflexão, o critério de desempenho!
Não existe só um Futebol, existem muitos “futebóis”! O Benfica joga diferente do Porto, O Barça diferente do Real Madrid, a Argentina diferente do Brasil. Da ideia teórica que cada treinador tem na sua cabeça, procura reflexo na prestação em cada jogo. Para que isso aconteça, modela a sua equipa de acordo com os exercícios Específicos que preconiza! Esta escolha representa um determinado critério que lhe vai conferir uma determinada identidade.
Os jogadores no Jogo expressam esse critério de desempenho, tentando realizar as acções procurando eficiência e eficácia respeitando uma determinada forma de jogar. Ora aqui está o cerne desta questão, estas escolhas de acordo com a filosofia do treinador são extremamente complexas a partir do momento que se busca eficiência e eficácia. São complexas porque são colectivas e obedecem a um critério colectivo, ao envolver um número elevado de elementos (11 jogadores jogando contra 11) torna as acções mais complexas.
Procuremos um exemplo prático: A posse de bola do Barcelona é na minha opinião extremamente intensa! Ela é intensa porque tem critério de desempenho ofensivo (ter a bola muito tempo de forma a desorganizar o adversário) e dentro desse critério é eficiente e tem eficácia! Os jogadores para respeitar o seu Modelo não precisam de correr muito nem de ter muitíssima força…
Imaginemos uma outra equipa que defende em bloco médio e que tem como critério de desempenho ofensivo procurar chegar rápido à baliza adversária com o menor número de toques possível e com 3 a 4 jogadores envolvidos nestas acções. O desempenho é intenso se existir para além do critério acima referido eficiência e eficácia nas acções.
Se me perguntarem qual dos dois exemplos tem mais intensidade? Dentro de uma lógica sistémica, claramente o do Barcelona! Tem mais jogadores envolvidos, mais tempo de elaboração das acções, mais exigência emocional logo mais complexidade.
A propósito de exigência mental e emocional! Vamos procurar um exemplo do nosso quotidiano: como se sentiram após um exame teórico? Sim, extremamente cansados … correram? Saltaram? Nem saíram do lugar, como ficaram então cansados?! Desgaste mental e emocional.
Este tipo de desgaste existe num jogo de futebol. Quanto mais complexidade, quanto mais se tiver que se usar o cérebro para jogar de forma a respeitar a nossa Ideia de Jogo, mais nos vamos cansar…
A máxima expressão da complexidade que podemos obter em treino são a simulação de um jogo pelo facto de termos em confronto onze jogadores contra outros onze! Quanto mais jogadores, buscando uma identidade de acordo como uma ideia de jogo, mais complexidade vamos ter.
Respeito todas as perspectivas, mas a intensidade que procuro e entendo para as minhas equipas é a da eficiência e eficácia em função dos critérios de desempenho que preconizo de acordo com a modelação que pretendo.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Não devemos caricaturar o Barcelona, devemos entender o processo e conhecer nossa realidade





 acesso em http://fcbarcelonacaricature.blogspot.com/2010_10_31_archive.html
    A cada rodada que o time do Barcelona está em campo fica claro que não se trata de time comum, pois apresenta uma série de características que normalmente não são encontradas em nenhum outro time no mundo. É evidente que sua posse de bola é marcante, sua transição defensiva que acontece a partir do momento da perda da bola, principalmente quando esta acontece no campo do adversário, a posse de bola objetiva, sem medo do erro, criando e utilizando espaços, a eficiência da posse de bola com passes transversais e não apenas aquela troca de passes entre zagueiros e volantes que vemos quando se tenta copiar o modelo espanhol.  
          O fenômeno Barcelona é tão grande que revolucionou a própria seleção espanhola, que na sua história era conhecida apenas pela garra, força, imposição física e pela marcação, ficando conhecida com “La Furia”. A partir dos anos 90 o Barcelona começa a ganhar status de super time, com a volta de Cruyff ao Barça depois de uma série de títulos no Ajax. Cruyff plantou na equipe catalã a filosofia que depois caracterizaria o clube, a valorização das categorias de base. O clube seguiria a receita mesmo após a saída do treinador, e hoje sua academia conta com doze equipes, cada uma com até 24 jogadores. Os técnicos são licenciados pela UEFA para dirigir as categorias inferiores do Barça, consideradas as maiores produtoras de jogadores de alto nível, chegando a levar até 15 anos para formar um atleta. Josep Guardiola, Albert Ferrer, Carles Busquets, Thomas Christiansen e Sergi Barjuan, foram todos garotos levados diretamente por Cruyff ao time principal. Guardiola sintetizou a ideologia de seu ex-treinador, seguida até hoje pelo clube:

"os jogadores têm de pensar rápido e jogar com inteligência, sempre sabendo qual será o próximo passe (…). É assim que aprendemos a jogar e que o público espera que joguemos: de forma atraente, mas sem perder a eficiência (…). Cruyff (…) nos ensinou a jogar movimentando a bola rapidamente. Ele só usava jogadores de grande técnica. Quando procuramos por jogadores, ainda queremos essas qualidades”
Guardiola
Não podemos falar da filosofia Barcelona sem falar de “La Masia”, nas paredes desta casa há fotografias de pequenos jogadores, equipes, memórias de um passado recente que marcam a atualidade do futebol. As feições de criança não enganam e da turma de 1996 podemos identificar Iniesta, Valdés, Pepe Reina e Puyol, todos eles campeões do mundo na África do Sul. Em La Masia os  garotos de 14 a 18 anos, recebem todas as condições para um desemvolvimento, primeiramente intelectual, e depois, também, futebolístico para chegarem ao objetivo final, que é o time profissinal. A sede original que formou os craques sitados acima, ficava localizada ao lado do campo de treinos da equipe principal, e poucos metros do Camp Nou, criando assim uma atmosfera única, aonde o sonho é concreto e está logo alí a frente, personalizado em atletas como Messi, Puyol, Xavi e cia.

   Xavi, símbolo de uma filosofia de futebol disse a Equipe Universidade do Futebol em 2010. “ Eu tinha 11 anos quando aqui cheguei, e a filosofia futebolística deste clube foi incutida em mim desde o início. O mais importante nesta fase é a vontade de aprender. A filosofia é a de que o resultado é o que menos interessa", disse o meia.

     No II Seminário de Futebol, realizado no Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense com a parceria da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tivemos a explanação de Nuno Amieiro, ex-técnico adjunto do FC Porto, especialista em alto rendimento pela universidade do Porto, falou sobre a construção de um modelo de jogo.  E Jordi Melero Busquets, ex-jogador do Barcelona e atual gerente de prospecção do Barcelona na América do Sul. Este falou sobre protocolo de avaliação de jogadores. Ambos, a sua maneira, deixaram claro que o processo de formação de uma equipe vencedora passa pelo planejamento a longo prazo, e pelo processo de continuidade. O clube segue um padrão para cada posição dentro de campo, cada uma das posições tem, segundo o clube, características técnicas, físicas e psicológicas distintas. Como disse Jordi ao público no seminário, o Barça tem um Xavi em cada categoria, tem um Iniesta em cada nível. E essas características servem de leme para a captação de jogadores que acontece em países também já mapeados pelo clube espanhol.

   Dentro do clube, a metodologia também é um diferencial, todas as categorias apresentam a mesma forma de jogar, a mesma metodologia de treino, que visa o desenvolvimento cognitivo dos jogadores dentro de uma realidade de jogo baseado nos princípios do modelo de jogo do Barcelona.

     O Barcelona de Messi, Xavi, Iniesta, Puyol e outros, joga a Barcelona no mínimo a 12 anos. Isso aliado com um perfil de jogador, com ótimo nível de concentração e comprometimento, somado a uma cultura européia aonde a ideologia de um garoto de 15 anos, é totalmente diferente de um jovem da mesma idade no Brasil, leva o clube catalão a abrir mão de preocupações para poder centralizar seus objetivos na problemática tática. Um jogador espanhol que passou por um processo de seleção adequado, que passa por uma cultura de jogo consistente, que não muda de dois em dois anos, que não tem sua individualidade rompida pela necessidade de vitória de um treinador que só pensa em sua auto-promoção, tem uma capacidade maior de absorver o treinamento do que um jogador que não está inserido nessa atmosfera propícia para o desenvolvimento gradual de todos os aspectos, técnicos, táticos, físicos e psicológicos.

    Segundo Xavi ao Universidade do Futebol, os benefícios para a equipe principal do clube são evidentes. “Jogar de forma inteligente, passar para o pé direito de um jogador destro, ou para o esquerdo de um canhoto. Antes de receber a bola, já saber o que fazer com ela. Podem ver o resultado desse desenvolvimento, com oito ou nove jogadores-chave da equipa principal do Barcelona oriundos dos escalões jovens. Formam a base sob a qual a equipe é construída", declarou ainda em entrevista ao site.

Acesso em http://mariomarcos.wordpress.com/2011/05/04/a-arte-do-gonza-ii/
  Comentário de Cruijff após a vitória do Real Madri sobre o Barcelona da Copa do Rei de 2011. Afirmando a importância de se fazer o que se sabe fazer “Logo de entrada deve esquecer-se das batalhas dialéticas e quezílias. Não é o seu estilo, e aí perderá sempre. Deve trocar a bola o máximo de tempo possível, e da forma mais simples. Isso passa pelo mais básico. Um toque é sempre melhor que dois. Mais velocidade na circulação de bola, com maior concentração e mais linhas de passe. Não devem preocupar-se com quem é o árbitro, nem se a relva está alta. Devem preocupar-se com a profundidade, algo em que o Villa é fundamental. Sem profundidade o jogo estreita, e há mais perdas de bola e conseqüentes contra-ataques”. Ele deixa claro que quando se foge de uma característica tão inerente ao clube, perde-se não apenas a identidade, mas sim os benefícios de uma cultura de jogo adquirida ao longo de muitos anos.

Bom, mais uma vez, entramos no dilema, como aplicaremos a metodologia vencedora do clube espanhol no Brasil, aqui, em nossa realidade, com jogadores com altíssimo nível técnico, mas com problemas táticos que às vezes parecem irremediáveis. Como resolveremos esse problema? Bom, talvez retirando totalmente os trabalhos físicos analíticos e/ou integrados. Será? Ou melhor, excluiremos os nossos talentos técnicos que por sua vez não tem o mesmo entendimento do modelo de jogo, pois estes por muito tempo receberam informações do tipo “vai dentro dele”,mas pode também cortar os zagueiros que não marcam a zona, pois estes também não tiveram os estímulos adequados pois é mais fácil “pegar o atacante até o fim”.

Enfim, não podemos mudar 50 anos de história e um ou dois anos de radicalismo, ainda mais quando nesses “50 anos” foram ganhos muitos títulos, e construiu-se uma história e formou-se uma cultura, mas podemos adaptar nossos treinos, para que a longo prazo possamos ter resultados mais consistentes. Por exemplo, o preparador físico, foi durante anos a referência científica dentro da comissão técnica, o crescimento da tecnologia, está sendo usada para o desenvolvimento dos parâmetros e controles físico, levou a predominância desta área sobre as demais em todos os métodos de treinamento.

Levando em consideração a grande maioria dos estudiosos do método espanhol, fica claro que o perfil e cultura da onde o jogador está inserido é fundamental e determinante para a definição do processo de desenvolvimento do método de treino. Tendo em vista que o próprio Barcelona, busca estas características de perfil em seus atletas mesmo na base. E juntamente com um processo de desenvolvimento adequado, individualizado a sua realidade, apresentando uma linha contínua de trabalho, aonde uma forma de jogar, baseada e princípios que são fundamentais os resultados são sem dúvida de estrema consistência.



Referências
http://www.maisfutebol.iol.pt/espanha/cruyff-barcelona-real-madrid-champions-league-maisfutebol/1248728-1486.html
http://espn.estadao.com.br/barcelona/noticia/211033_GUARDIOLA+CHEGA+A+12+TITULOS+SUPERA+CRUYFF+E+VIRA+MAIOR+VENCEDOR+DO+BARCELONA
http://www.universidadedofutebol.com.br/2010/10/2,14338,XAVI+ENALTECE+FILOSOFIA+FUTEBOLISTICA+DO+BARCELONA.aspx

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Barcelona, o triunfo de uma filosofia

Olá pessoal, após o II Seminário de Futebol realizado no Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, em uma parceria com a Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, aonde se falou muito com uma grande riqueza de detalhes sobre a formação de atletas, sobre as categorias de base. E como não poderia deixar de ser, o clube referência hoje em formação, o Barcelona foi o ponto principal dos debates. Então ao elaborar uma pesquisa, achei uma reportagem no site português Relvado, aonde Gonçalo Moreira, autor da matéria, em dezembro de 2010 apontava "La Masia" com um dos fatores para o sucesso do equipe catalã. La Masia atualmente é um dos, ou senão, o mais moderno centro de formação de jogadores de futebol, que associada ao método de treino aplicado no Barça mostra-se uma fábrica de craques, que esse ano tem três jogadores indicados para a bola de outo.
Minha intenção era reproduzir alguns trechos do texto, mas gostei muito da reportagem e resolvi mostra-la na integra. Abraço a todos e boa leitura.

http://relvado.aeiou.pt/diversos/barcelona-triunfo-uma-filosofia

La Masía é por estes dias tema de conversa no planeta futebol, embora poucos saibam o que é, onde fica e como funciona. Partimos por isso à descoberta da fábrica de talentos do Barcelona, que este ano colocou Xavi, Iniesta e Messi como finalistas da Bola de Ouro.
Explicar o futebol do Barcelona é ir a La Masía, nome da residência onde vivem dezenas de jovens jogadores do clube catalão. Mas afinal o que é uma Masía? Este é um termo utilizado para designar uma típica casa rural, um ambiente que poucos esperam encontrar na zona urbana de Barcelona, mas que sucessivas direcções culés procuraram preservar ao longo dos últimos 30 anos e que de certa forma contribui para o misticismo do local.
La Masía - Academia do BarcelonaA Masía de Can Planes, nome do lar onde vivem actualmente 58 jovens, foi originalmente comprada pelo clube em 1979 para servir de gabinete aos arquitectos que projectaram o Estádio Camp Nou e mais tarde convertida pelo presidente Josep Lluís Núñez na casa das futuras estrelas do clube catalão. Toda a propriedade “cheira” a Catalunha. A traça original e o ambiente acolhedor são perfeitos para que os miúdos se sintam o mais em casa possível, tendo em conta que a maioria se encontra longe das respectivas famílias.
Como se vive em La Masía?
Para quem entra esta é uma casa como tantas outras, com a diferença de que aí vive uma grande família, a blaugrana. Com uma cozinha pequena e várias salas comuns onde se joga de tudo um pouco, esta é uma residência de portas abertas, mas onde as crianças são controladas por responsáveis do clube.
Os dias são passados de forma normal, ora com momentos de estudo, ora com actividades de ócio puro, como manda a idade dos residentes. O bónus para estas crianças é o facto de poderem treinar numa das melhores escolas de futebol do mundo.
Para os atletas que entram no templo sagrado da formação culé o sentimento catalão é algo extra, que vai crescendo com o tempo. Beijar o escudo, apontar para o emblema, são gestos comuns nos campos de futebol de todo o mundo, mas que na Catalunha ainda têm significado, especialmente por todo o sentimento de autonomia (a roçar a independência) que se vive na região em relação ao poder central, que na vertente desportiva é personificada pelo arqui-rival Real Madrid.



Regras a cumprir em La Masía
Nas paredes desta casa abundam as fotografias de miúdos, equipas, memórias de um passado recente que marcam a actualidade do futebol contemporâneo. As feições de criança não enganam e da turma de 1996 podem distinguir-se Andrés Iniesta, Victor Valdés, Pepe Reina e Carles Puyol - todos eles campeões do mundo na África do Sul.
Iniesta e Albert Benaiges (Formação do Barcelona): LusaA história de Iniesta é curiosa porque aos 12 anos esteve a ponto de assinar com o Real Madrid, o que não aconteceu porque os pais do jovem Andrés não queriam o filho a viver em Valdebebas, centro nevrálgico dos merengues que se localiza num subúrbio da capital. Em Barcelona, por outro lado, a família Iniesta encontrou um ambiente familiar e tranquilo para que o filho pudesse crescer como jogador, mas sobretudo como homem.
Um dos responsáveis pela ida de Iniesta para o Barcelona foi Albert Benaiges, coordenador do futebol jovem culé, que está para os catalães como Aurélio Pereira está para o Sporting. Ambos valem ouro e no caso de Benaiges a filosofia é simples quanto à evolução de um jogador de futebol: “numa primeira fase, dos iniciados para baixo, privilegiamos a formação pessoal antes do futebol. Na segunda iniciamos o chamado aperfeiçoamento, aí deve competir-se bastante, ainda que sem perder de vista a formação pessoal, porque nunca se sabe o que pode acontecer”, explica o homem forte das camadas jovens dos catalães ao site futbolbalear.es. 
Made in Barcelona
Competir, competir, competir. A partir de uma certa idade, a palavra de ordem no Barcelona é para jogar, fomentando sempre o contacto com a bola e um estilo de jogo vincadamente ofensivo, que está institucionalizado e que vem de baixo para cima. Esta filosofia é a origem do jogo bonito blaugrana, o chamado tiki-taka, um estilo de futebol que seduz, inspira, choca e que já está a marcar uma nova era do futebol mundial.
A aposta na formação é uma visão de futuro, que pretende vir a estabelecer a médio prazo um plantel com 65 por cento de jogadores provenientes das bases. No entanto, o facto de ter tido uns últimos anos vintage, faz com que o processo esteja acelerado e que no Clássico frente ao Real Madrid (5-0), Pep Guardiola tenha colocado em campo 10 jogadores da formação, sendo que oito foram titulares (Valdés, Piqué, Puyol, Busquets, Xavi, Iniesta, Pedro, Messi).
Com esta premissa em mente, o Barcelona forma com qualidade mas não tem maneira de absorver tudo o que produz, pelo que se tornou um importante centro de exportação de talentos para as melhores Ligas da Europa. Só esta temporada, são 41 os jogadores que actuam nas divisões de topo e que saíram de La Masía, como aconteceu há alguns anos com o central Gerard Piqué, que ingressou nos catalães aos 10 anos, saiu para o Manchester aos 17 e que entretanto regressou com 21 anos para ocupar um lugar no eixo da defesa.
Cesc Fabregas (Arsenal): wikimediaO chamamento provocado pelo orgulho catalão é algo difícil de explicar, mas que deve ser tido em conta. Um dos rumores mais fortes do mercado de transferências é o interesse que o Barça tem em recuperar uma pérola que lhe foi “roubada” precocemente: Cesc Fabregas. O médio esteve na Catalunha até aos 16 anos, quando foi recrutado de forma hostil por outro clube inglês, o Arsenal. Os Gunners resistiram para já a uma primeira abordagem do Barcelona, mas será inevitável que no futuro Fabregas volte ao ponto de partida, quem sabe mesmo se para assumir as funções de Xavi (que está com 30 anos) no meio-campo.
Mas como fazer a transição entre as camadas jovens e o plantel profissional? A resposta reside na sensibilidade e no acompanhamento que é feito por parte do treinador da equipa principal, uma das principais características de Pep Guardiola, ele próprio um produto saído de La Masía. Essa atitude de querer aproveitar o que sai da formação é típica de um homem que passou por todas as fases do processo: foi aluno, jogador, referência e é agora professor. Sem esta capacidade que Guardiola revela de querer maximizar os recursos da casa, torna-se mais difícil produzir talentos, que naturalmente precisam de tempo para crescer.
La Masía do Século XXI
A pensar no futuro está já em marcha a nova residência para jovens, um moderno centro localizado em Sant Joan Despí, a 5 km do Camp Nou, onde foi criada recentemente a Cidade Desportiva Joan Gamper, local de treino diário de todos os escalões do futebol barcelonista. O novo edifício será bem diferente do actual e vai aumentar em termos de capacidade, passando a contar com 82 quartos múltiplos, num total de 6000 metros quadrados (actualmente dispõe de apenas 600 m²).
Orçamentada em cerca de 8/9 milhões de euros, esta Masía moderna pretende fomentar o relacionamento entre os vários funcionários do clube, especialmente entre jogadores dos vários escalões. A blindagem psicológica dos craques é crucial e por isso desde cedo que os mais novos vêem como os profissionais convivem diariamente com a pressão de adeptos, média e todos os interesses que gravitam à volta do planeta futebol.
Para trás ficam 30 anos de um trabalho que já ganhou um lugar na história do futebol e que promete continuar, agora numa versão reciclada. Depois da primeira Bola de Ouro conquistada por Leo Messi em 2009, a formação blaugrana voltará este ano a festejar, quando for anunciado o vencedor a 10 de Janeiro. Xavi, Messi ou Iniesta? Independentemente de quem vier a ganhar, é a filosofia do Barcelona que está a ser premiada.
Fotos: Lusa (1 e 3) e wikimedia (2 e 4)

Acessado em http://relvado.aeiou.pt/diversos/barcelona-triunfo-uma-filosofia